terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Haddad sanciona lei que cria cotas para negros em concursos públicos

O prefeito Fernando Haddad (PT) ratificou a decisão da Câmara Municipal de São Paulo que criou cotas para negros no serviço público municipal.
O projeto de lei assinado por toda a bancada do PT na Casa garante 20% das vagas dos concursos públicos para a comunidade negra. Se houver sobra de vagas, elas serão distribuídas para todos.
De acordo com o texto, tem direito as cotas as pessoas que se enquadram como "pretos, pardos ou denominação equivalente conforme estabelecido pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística)", ou seja, será considerada a autodeclaração. O prefeito tem 90 dias para regulamentar a lei.
A separação de vagas também terá que ser feita nos cargos comissionados, segundo estabelece o texto da lei 15.939, publicada hoje no "Diário Oficial" da Cidade.
A criação de cotas para negros no serviço público, que existe em algumas cidades e alguns Estados, está sendo discutida também no âmbito federal.
Existe um projeto de lei, encaminhado ao Congresso pela presidente Dilma Rousseff (PT) no mês passado, que também prevê a criação de cotas para o serviço público, nas mesmas proporções que a lei paulistana determina.
Neste mês também entrou na Assembleia Legislativa de São Paulo um projeto de lei do governador Geraldo Alckmin (PSDB), que também estabelece uma cota de 20% para os negros que disputarem concursos públicos no Estado. O mesmo critério terá que ser usado, caso o projeto seja aprovado, para os cargos em comissões.
publicado:folha de são paulo

domingo, 22 de dezembro de 2013

Xapuri ainda conserva lembrança de Chico Mendes, 25 anos após morte do seringueiro

Ivan Richard
Enviado Especial



Xapuri (AC) - A identificação na entrada da cidade é uma referência clara da luta dos seringueiros. “Xapuri, Cidade de Chico Mendes”. Com pouco mais de 16 mil habitantes, o município localizado na região do Alto Acre, a cerca de 180 quilômetros da capital Rio Branco, ainda conserva as características do interior.

A cidade natal de Chico Mendes tem ruas estreitas, a maioria de blocos de pedra. Poucas são asfaltadas. Seu filho mais ilustre é lembrado em praticamente todos os cantos. Logo na entrada, está a fábrica de preservativos masculinos Natex, construída em parceira pelos governos estadual e federal. Criada para escoar a produção do látex, atualmente a empresa não garante plenamente o retorno financeiro aos antigos soldados da borracha, que recebem pouco mais de R$ 7 pelo quilo do produto.

Perto do centro, a casa onde Chico Mendes viveu e morreu virou um ponto de cultivo à memória do seringueiro. Ao lado, foi erguido o Museu Chico Mendes, que abriga fotos, textos e objetos usados pelo líder sindicalista. A cidade também guarda traços dos conflitos que há 25 anos provocaram a morte de Chico Mendes e líderes sindicalistas.

Ao longo dos ramais, como são chamadas as estradas de chão batido que dão acesso às propriedades rurais – as colocações - é constante o cenário de áreas desmatadas para criação de gado. E os números confirmam: nos últimos 15 anos, o rebanho bovino no Acre saltou de 900 mil cabeças para mais de 3 milhões de animais.

“Hoje a questão da pecuária adentrou as comunidades rurais dos antigos seringais em função das necessidades. Na época, junto com Chico Mendes, os seringueiros defendiam a posse da terra, mas não estava definido que tipo de atividade econômica ia ser eterna. Naquele momento, era o extrativismo, porque propiciava o básico do básico do que se consumia na época”, disse a vice-presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Xapuri, Dercy Teles.

Sentado à frente da casa de Chico Mendes, como costuma fazer quase todos os dias, o ex-seringueiro Luiz Targino de Oliveira, 81 anos, teme pelo futuro da floresta. “Quero ver daqui a alguns anos, quando não tiver mais nenhuma árvore e a seca comendo. Porque a briga é pelo dinheiro. O fazendeiro não está satisfeito em possuir mil cabeças de gado, quer possuir 5 mil e destruir. Porque, para ele criar muito gado, ele tem que destruir a natureza. Onde tem o único pulmão de floresta é na Amazônia”.

No Seringal Cachoeira, onde Chico Mendes viveu boa parte da vida, a criação de gado e a retirada seletiva de madeira fazem parte do dia a dia dos extrativistas. Os longos percursos, antes feitos a pé, hoje são desbravados por motos. A escola idealizada por Chico Mendes evita que os filhos dos homens da floresta precisem ir até a cidade para estudar.
“Ninguém produz riqueza, mas vive com a barriga cheia e corpo coberto. Hoje, vemos nossos filhos ir para a escola e voltar porque a escola está aqui na casa dos seringueiros. A cada três horas de caminhada tem escola e também temos ônibus escolar. Então, é suficiente para a gente viver com a barriga cheia, corpo coberto e tranquilidade. Hoje, boa parte [das pessoas] tem geladeira e televisão. É uma vida que nem se compara com a vida que nós tínhamos aqui há dez, 20, 50 anos”, disse Raimundo Mendes de Barros, primo de Chico Mendes.

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Chora por Mandela, mas acha um absurdo pobre querer os mesmos direitos





por: *Leonardo Sakamoto

Precisamos de mais pessoas como Mandela.

Pessoas que são capazes de usar a força quando necessário e adotar uma atitude conciliadora quando preciso. Mas que não descartam qualquer uma das duas acões políticas.

Por conta da morte de Mandela, estamos sendo soterrados por reportagens que louvam apenas um desses lados e esquece o outro, como se as folhas de uma árvore existissem sem o seu tronco e os galhos. O apartheid não morreu apenas por conta do sorriso bonito e das falas carismáticas do líder sul-africano, mas por décadas de luta firme contra a segregação coordenada por uma resistência que ele ajudou a estruturar.

É fascinante como regimes execrados pelo Ocidente foram, muitas vezes, os únicos que estenderam a mão a Mandela e à luta contra o apartheid. E como, décadas depois, muitos países prestam suas homenagens a ele, sem um mísero mea culpa por seu papel covarde durante sua prisão. Ou, pior: como veículos de comunicação desse mesmo Ocidente ignoram a complexidade da luta de Mandela, defendendo que o pacifismo foi o seu caminho.

Desculpem, mas a necessária conciliação para curar feridas ou a tolerância são diferentes de injustiça. E ser pacifista não significa morrer em silêncio, em paz, de fome ou baioneta. A desobediência civil professada por Gandhi é uma saída, mas não a única e nem cabe em todas as situações em que um grupo de pessoas é aviltado por outro.

“Eu celebrei a ideia de uma sociedade livre e democrática, na qual todas as pessoas vivam juntas em harmonia e com oportunidades iguais. É um ideal pelo qual espero viver e o qual espero alcançar. Mas, se for necessário, é um ideal pelo qual estou pronto para morrer'', disse ele, ao ser condenado a 27 anos de prisão.

As histórias das lutas sociais ao redor do mundo são porcamente ensinadas. Ao ler o que os jovens aprendem nas carteiras escolares ou no conteúdo trazido por nós jornalistas, fico com a impressão que a descolonização da Índia, o fim do apartheid na África do Sul ou a independência de Timor Leste foram obtidas apenas através de longas discussões regadas a chá e um pouco de desobediência. Dessa forma, a interpretação dos fatos, passada adiante, segue satisfatória aos grupos no poder.

Muitos que hoje lamentam por Mandela detestam manifestações públicas e mudanças no status quo.

Adoram um revolucionário quando este é reconhecido internacionalmente e aparece em estampas de camisetas, mas repudiam quem ocupa propriedades, por exemplo, “impedindo o progresso''.

Leio reclamações da violência de protestos quando estes vêm dos mais pobres entre os mais pobres – “um estupro à legalidade” – feitas por uma legião de pés-descalços empunhando armas de destruição em massa, como enxadas, foices e facões. Ou contra povos indígenas, cansados de passar fome e frio, reivindicando territórios que historicamente foram deles, na maioria das vezes com flechas, enxadas e paciência. Ou ainda professores que exigem melhores salários e resolvem ir às ruas para mostrar sua indignação e pressionar para que o poder público mude o comportamento. Todos eles são uns vândalos.

Daí, essa pessoa que ama Mandela, mas não sabe quem ele é, pensa: poxa, por que essa gente maltrapilha simplesmente não sofre em silêncio, né?

Muitas das leis criticadas em protestos e ocupações de terra ou mesmo no apartheid não foram criadas pelos que sofrem em decorrência de injustiça social, mas sim por aqueles que estavam ou estão na raiz do problema e defendem regras para que tudo fique como está. Nem sempre a legalidade é justa. E essa frase assusta muita gente.

Mandela é a inspiração. Com ele, é possível acreditar que manifestações populares e ocupações resultem nos pequenos vencendo os grandes. E, com o tempo, os rotos e rasgados sendo capazes de sobrepujar ricos e poderosos.

Por isso, o desespero inconsciente presente em muitas reclamações sobre a violência inerente ou involuntária desses atos. Ou na tentativa de reescrever a história editando aquilo que não interessa.

Enquanto isso, mais um indígena foi morto no Mato Grosso do Sul. Mas tudo bem. Devia ser apenas mais um vândalo, não um homem de bem como Mandela.

Enfim, precisamos de mais pessoas como Mandela. Pois os bons do século 20 estão morrendo antes que realmente entendamos suas mensagens.


*Leonardo Sakamoto é jornalista e doutor em Ciência Política. Cobriu conflitos armados e o desrespeito aos direitos humanos em Timor Leste, Angola e no Paquistão. Professor de Jornalismo na PUC-SP, é coordenador da ONG Repórter Brasil e seu representante na Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo.

A segunda morte de Mandela


*por: Ricardo Melo

Para governantes de uma geração que mal sabe que CNA é a sigla de um partido que liderou a luta contra o racismo na África do Sul, a "unanimidade" em torno de Nelson Mandela vem a calhar. Quem entoa melhor o coral da falsidade é, sem dúvida, o arcebispo Desmond Tutu, em artigo para o jornal inglês "The Guardian" reproduzido nesta Folha.

"Mantenho que seu período [de Mandela] na prisão foi necessário porque, quando foi preso, estava cheio de raiva (...) ele não era um estadista, disposto a perdoar -era um comandante em chefe da ala armada do partido, que estava inteiramente disposta a recorrer à violência. O tempo que ele passou na prisão foi crucial (...) a prisão foi uma prova de fogo que queimou tudo que era ruim."

Mandela passou 27 anos enjaulado. Viveu num buraco inferior a quatro metros quadrados para "queimar tudo que era ruim". O que significou uma das grandes atrocidades do nosso tempo é difundido agora como estágio para estadista. Que isso venha da boca de um religioso, dá para entender. Religiões normalmente se prestam a esse papel -convencer fiéis a se conformar com o presente (ou a dar presentes...) em nome de um futuro redentor, ainda que na claustrofobia de um caixão.

Tão verdadeiro quanto isso é a patacoada ensurdecedora sobre o homem da transição pacífica, que venceu o racismo sem derramar sangue, o arquiteto da paz sem violência etc. etc Pacífica, cara-pálida? Só para citar dois eventos: a chacina de Sharpeville, em março de 1960, quando a polícia sul-africana atirou pelas costas e matou mais de 70 opositores. O outro foi em Soweto, em 1976, que terminou com a morte de mais de 700 estudantes. Há inúmeros momentos como esses na história sul-africana, devidamente apagados dos registros pelo governo racista com a conivência internacional.

Seria apenas trágico, não fosse absolutamente trágico, assistir aos representantes de plantão das grandes potências renderem homenagem a Mandela.

Um dos regimes mais odiosos da história, o apartheid durou oficialmente quase meio século. Onde estavam esses países durante todo o tempo em que negros eram tratados como coisas, Mandela mofava na prisão e milhares de vidas desapareciam? Algumas pistas: a prisão de Mandela em 1962 teve a ajuda da CIA e a idolatrada Margaret Thatcher lutou até o fim para impedir o "terrorista" de deixar a cadeia. E por aí foi.

"Bem, a ONU aprovou um embargo", apressam-se os cínicos. Alguém tente lembrar como essa cortesia diplomática livrou um único cidadão das garras de P.W. Botha, o gorila que promovia pogroms sistemáticos contra a maioria negra. Será tão fácil quanto provar a existência de Deus ou que uma roda é quadrada. Mal comparando, o embargo lembra acordos de destruição de armas químicas, que libera ditadores para matar aos magotes, desde que à bala, e não por asfixia.

Nada disso reduz a importância de Nelson Mandela como símbolo de luta, persistência e tolerância. Fez a parte dele, mas dentro de um combate em que houve de tudo, menos o primado do pacifismo. Mandela não tem culpa do uso bastardo de sua imagem. Fossem sinceros, os poderosos que montam fila para reverenciá-lo deveriam, no mínimo, deixar de perseguir opositores em seus próprios países, pedir desculpas ao povo da África do Sul e oferecer meios de ressarcir materialmente os anos de cumplicidade com o racismo.

Uma metáfora da vida que prossegue apareceu um dia após a morte de Madiba. Foi no sorteio da Copa do Mundo. O minuto de silêncio em homenagem a Mandela mostrou-se concessão demasiada -durou minguados 12 segundos. E a dupla brasileira encarregada de apresentar a cerimônia (ao que se diz, e sem nada pessoal contra ninguém) foi trocada pelos organizadores. Em vez de Camila Pitanga e Lázaro Ramos, subiu ao palco um casal mais parecido com representantes de afrikâners.


*Ricardo Melo58, é jornalista. Na Folha, foi editor de "Opinião", editor da "Primeira Página", editor-adjunto de "Mundo", secretário-assistente de Redação e produtor-executivo do "TV Folha", entre outras funções. Atualmente é chefe de Redação do SBT (Sistema Brasileiro de Televisão). Também foi editor-chefe do "Diário de S. Paulo", do "Jornal da Band" e do "Jornal da Globo". Na juventude, foi um dos principais dirigentes do movimento estudantil "Liberdade e Luta" ("Libelu"), de orientação trotskista.

domingo, 8 de dezembro de 2013

Praia badalada de Florianópolis faz atos antimendigo

publicado: folha.uol

"Não precisamos de mendigos: Fora!", dizia um cartaz carregado por um grupo de pessoas em uma avenida da badalada praia de Canasvieiras, em Florianópolis.
Poucos metros à frente, no meio da passeata, outra mensagem: "Balneário Camboriú, para de jogar mendigos na nossa praia (que vergonha)".
Munidos de faixas, cartazes, alto-falantes e carro de som, moradores iniciaram uma campanha pela saída de moradores de rua da região.
A Folha flagrou a cena no último dia 26. Desde então, outro protesto foi realizado -e um terceiro está marcado para o próximo dia 11.
Segundo os moradores, o número de sem-teto cresceu nos últimos meses. "Aqui virou o Éden deles", afirma o presidente do conselho de segurança do bairro, Carlos Hennrichs, 67.
O aumento é maior no início da temporada de verão, diz a empresária Luciana da Silva, 31, que organizou o protesto. "Estamos tentando limpar a praia para a chegada do turista. Isso está queimando nossa imagem", reclama.
Ela diz que a chegada de "mendigos de fora" trouxe risco à segurança, como furtos e outros crimes. Há um mês, um morador de rua morreu em uma briga no bairro.
"Todo dia tem um bando diferente. As pessoas têm medo de andar na rua, são abordadas, ameaçadas", afirma.
Os protestos, porém, não são um consenso na praia.
"Eles não têm albergue, não têm onde tomar banho, e o pessoal só sabe criticar. Essa praia é só para quem tem dinheiro? E o pobre, vai morar onde?", rebate a cabeleireira Rosângela Chaves, 54.
Sentado com dois amigos próximo à praia, o catarinense Cleber Zanini, 25, diz que mora na rua "por não ter opção". "Se tivesse um albergue [para ir], seria maravilhoso."
Após os protestos, a Prefeitura de Florianópolis diz que intensificou a abordagem de assistentes sociais nas ruas e que investigou denúncias sobre possível ação de outras prefeituras transferindo mendigos, mas afirma que as suspeitas não procedem.
O secretário de Assistência Social, Alessandro Abreu, negou aumento de moradores de rua em Canasvieiras e descartou a participação dessas pessoas em crimes.

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

As palavras sábias de Nelson Mandela



Johanesburgo - Nelson Mandela, o primeiro presidente negro da África do Sul e que morreu nesta quinta-feira aos 95 anos, foi artífice de um bom número de declarações que se transformaram em símbolo de tenacidade e de luta pela liberdade, pelos direitos humanos e pela igualdade racial anos em que ficou na prisão (1962-1990) por enfrentar o apartheid, o regime de segregação racial da minoria branca sul-africana.

Algumas das suas frases mais inspiradoras, como bom orador que foi, estão reunidas no livro "Conversas comigo mesmo", publicado pelo Centro de Memória Nelson Mandela de Johanesburgo.

As entrevistas foram extraídas de cartas manuscritas ou assinadas por ele, entrevistas, depoimentos perante os tribunais do apartheid, discursos políticos após sua libertação em 1990, e de suas anotações, diários, e de sua autobiografia "O longo caminho para a liberdade".
As declarações do ex-presidente da África do Sul, tanto quanto suas ações, se transformaram em símbolo de tenacidade e de luta pela liberdade


Estas são algumas de suas frases mais famosas:.


1. "Lutei contra a dominação branca e contra a dominação negra. Defendi o ideal de uma sociedade democrática e livre, na qual todas as pessoas vivem juntas em harmonia e oportunidades iguais. É um ideal para o qual espero viver e conseguir realizar. Mas, se for preciso, é um ideal para o qual estou disposto a morrer". (Depoimento no Julgamento de Rivonia, 20 de abril de 1964).
2."Sempre parece impossível até que seja feito". (Citação tradicionalmente atribuída a Mandela que o próprio Centro de Memória Nelson Mandela reconhece não saber confirmar).


3. "Só os homens livres podem negociar (...). Sua liberdade e a minha não podem ser separadas". (Declarações de Mandela após 21 anos na prisão ao renunciar à oferta de libertação do então presidente, Pieter W. Botha, em fevereiro de 1985).


4. "Ninguém nasce odiando o outro pela cor de sua pele, ou por sua origem, ou sua religião. Para odiar as pessoas precisam aprender, e se elas aprendem a odiar, podem ser ensinadas a amar". (Da autobiografia "O longo caminho para a liberdade", 1994).


5. "Depois de escalar uma grande montanha se descobre que existem muitas outras montanhas para escalar". (Da autobiografia "O longo caminho para a liberdade", 1994).


6. "Nunca, nunca, nunca mais deixaremos esta bela terra voltar a experimentar a opressão de uns e outros. Vamos deixar a liberdade reinar". (Discurso da posse como presidente, 10 de maio de 1994).


7. "No meu país, é preciso primeiro ir para a cadeia para depois ser presidente". (Da autobiografia "O longo caminho para a liberdade", 1994).


8. "Nunca considerei nenhum homem superior a mim, nem dentro, nem fora da prisão". (Carta ao general Du Preez, administrador de prisões, escrita da prisão Robben Island, na Cidade do Cabo. 12 de julho de 1976).


9. "Aprendi que coragem não é a ausência de medo, mas o triunfo sobre ele. O homem corajoso não é aquele que não sente medo, mas o que conquista esse medo". (Da autobiografia "O longo caminho para a liberdade", 1994).


10. "A grandeza da vida não consiste em não cair nunca, mas em nos levantarmos cada vez que caímos". (Da autobiografia "O longo caminho para a liberdade", 1994).


11. "Lutar contra a pobreza não é um assunto de caridade, mas de justiça". (Discurso na Praça Mary Fitzgerald de Johanesburgo, em 2 de julho de 2005, num ato contra a pobreza).


12. "A morte é algo inevitável. Quando um homem fez tudo o que considera seu dever em relação ao seu povo e ao seu país, ele pode descansar em paz. Eu acredito que fiz esse esforço. E é por isso que eu vou dormir por toda a eternidade". (Trecho de uma entrevista para o documentário "Mandela", 1994).


publicado: Exame.abril

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Encontro Internacional de Palhaços transforma ruas do Rio em picadeiros

Flávia Villela
Repórter da Agência Brasil

Rio de Janeiro - As ruas da capital fluminense viraram picadeiros a céu aberto nesta primeira semana de dezembro, com a 12ª edição do encontro internacional de palhaços Anjos do Picadeiro. Um dos idealizadores da mostra João Artigos explica que a conjuntura política atual foi um dos motivos para que o encontro usasse as ruas como espaços de construção coletiva e artística.

“Os Anjos do Picadeiro surgiu da necessidade do encontro, de um espaço de troca. Boa parte da nossa programação sempre foi ao ar livre, mas neste momento de grandes eventos, de protestos, quisemos aproveitar para vivenciar a questão da rua, para reafirmá-la como espaço de trabalho”, disse o artista. “Ao pagar para um artista de rua, você está exercendo sua cidadania, sem intermediação, é uma forma de financiamento direto, em que você escolhe o que quer ver”, completou.

João Artigos lamentou que algumas pessoas menosprezem a arte de rua. “A gente não tem a cultura do chapéu, a gente não reconhece esse artista por imaginar que ele está na rua por falta de opção, quando na verdade esta é uma opção estética de sobrevivência”, argumentou ele, ao mencionar dois artistas de rua europeus que nunca haviam se apresentado em um palco até participarem do encontro. “Eles se apresentaram pela primeira vez em um teatro aqui. Os caras tiram [faturam] mil euros em um domingo”, acrescentou.

O encontro, que começou no domingo (1º) e vai até sábado (7), reúne centenas de artistas de diferentes países e inclui oficinas, assessorias técnicas, fóruns entre outras atividades. Amanhã, os Caçadores de Risos estarão no centro do Rio, fazendo a primeira palhaceata desta edição, uma espécie de carnaval de rua circense.

“As palhaceatas são ótimas, porque atravessamos pelo meio da população e a galera participa. É como se fosse um carnaval antecipado”, contou o ator e diretor Sérgio Machado, que também é professor de uma das oficinas.

O professor ressaltou que embora o clima do encontro seja de desconcentração e espontaneidade, é preciso muita seriedade para formar e difundir as artes do riso e da comicidade. “Apesar de ser uma palhaçada completa, o trabalho é muito sério. As pessoas acham que muita coisa está sendo criada ali na hora, mas, na verdade, é técnica, é fazer com que o público acredite que as ações são improvisadas”, explicou ao ressaltar que os palhaços dedicam horas de ensaios diários para os números.

O evento é produzido desde 1996 pelo Grupo Carioca Teatro de Anônimo. Hoje existe uma rede de intercâmbio e o encontro é um espaço de intercâmbio, reciclagem e qualificação profissional, segundo Artigo. “Os desdobramentos são muitos. Temos parcerias que geram oportunidades de trabalho, fóruns de discussões. Este ano será lançada pela primeira vez uma revista eletrônica com artigos ligados ao tema. Vamos organizar um acervo de vídeos do Anjo dos picadeiros para poder ser estudado, enfim, são várias coisas que aconteceram antes e depois do encontro”, contou ele.

A próxima palhaceata será em Madureira, zona norte, na sexta-feira (6), e a última em Bangu, zona oeste, no sábado, dia de encerramento do encontro. Mais informações estão no site http://www.anjosdopicadeiro.com.br/.

Edição: Talita Cavalcante

Comissão aprova projeto que reserva vagas para negros em concurso





Carolina Gonçalves
Repórter da Agência Brasil

Brasília – A proposta do Executivo que reserva 20% das vagas disponíveis em concursos públicos para negros venceu a primeira etapa no Congresso. Deputados da Comissão de Trabalho, de Administração e Serviços Públicos aprovaram hoje (4) o texto (PL 6.738/13) que ainda precisa passar por dois colegiados antes de ser votado em plenário.

Na comissão, o relator da matéria, deputado Vicentinho (PT-SP), lembrou que a reserva de vagas tem validade de dez anos e não pretende ser uma política permanente. “O caráter temporário de vigência da pretensa lei se justifica na medida em que adota um prazo suficiente para que os resultados desejados sejam obtidos e avaliados”, explicou o parlamentar.

Segundo ele, será possível avaliar os resultados da medida quando o prazo terminar e evitar que a reserve criada para “corrigir um desequilíbrio” acabe se tornando privilégio para uma parcela da sociedade.

“A proposta reafirma o compromisso do governo de reduzir a discriminação racial e a desigualdade social. É incontroverso que a grande maioria da população negra faz parte das classes menos favorecidas e, portanto, é protagonista de um circulo vicioso que não permite sua ascensão social nos mesmos níveis obtidos por pessoas de outras raças”, destacou Vicentinho , citando como exemplo o sistema de cotas adotado por universidades.

Pelo texto, além de concorrerem às vagas reservadas, os candidatos declarados negros vão poder disputar lugares destinados à ampla concorrência. Os candidatos negros aprovados dentro do número de vagas oferecido para ampla concorrência não serão computados no volume de vagas reservadas.

A proposta define que as pessoas beneficiadas serão consideradas assim por autodeclaração, de acordo com o quesito cor ou raça utilizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

O relator rejeitou as seis emendas que foram apresentadas. Parlamentares tentaram, por exemplo, aumentar o percentual de reserva de vagas para 30%, incluíndo indígenas, ou até para 50%. Outros deputados propuseram ainda tornar o prazo indeterminado e estender o direito aos concursos realizados para preencher vagas dos Poderes Judiciário e Legislativo.

Edição: Graça Adjuto

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Conselheiro do Ceap defende fundo financiador para implementar ações do Estatuto da Igualdade Racial

Akemi Nitahara
Repórter da Agência Brasil

Rio de Janeiro – A falta de um fundo financiador para implementar as ações previstas no Estatuto da Igualdade Racial, Lei 12.288, de 20 de julho de 2010, é alvo de críticas de especialistas ligados à questão racial no Brasil. O conselheiro estratégico do Centro de Articulação de Populações Marginalizadas (Ceap), Ivanir dos Santos, defende a existência de um fundo para que essas ações não dependam de repasses de recursos de órgãos governamentais.
“Em qualquer política social tem que constar o recurso que terá como destino essa política. Então, se não está no orçamento, não aparece no Plano Plurianual (PPA), consequentemente no Orçamento da União, nem tampouco dos estados e município, esse é um problema sério. Por isso que estava previsto no estatuto o Fundo da Igualdade Racial. Esse fundo então teria recursos para a execução dessas políticas”, disse.
Ele destacou a Lei 10.639/03, que inclui no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática história e cultura afro-brasileira, mas não direciona recursos para que isso seja implementado. “Você não tem no orçamento do Ministério da Educação nem das secretarias estaduais de Educação nenhum recurso previsto para capacitação de professores, no Brasil todo, elaboração de material didático, também para capacitação no exterior de professores em história da África. Então, qualquer política prevista no estatuto você tem tido essa dificuldade, você não tem verba destinada para execução dessas políticas”, disse.
Como avanço, nesses três anos, do Estatuto da Igualdade Racial, Santos cita a criação das coordenadorias municipais e estaduais, mas as políticas efetivas esbarram na falta de orçamento. “Nos orçamentos estaduais, municipais, nem no federal, você não em recursos suficientes para a implementação dessas políticas. Esses recursos estão em outros ministérios, mas se não está destinado, marcado que é para essa política, o chamado recurso carimbado, você não tem coisa nenhuma, fica ao bel prazer do administrador colocar uma ou outra sobra que convier, para uma ou outra política menor, não uma política de nível nacional”, declarou.
Santos informou que as entidades ligadas à luta pela igualdade racial estão se mobilizando para apresentar um projeto de lei de iniciativa popular para que o Fundo da Igualdade Racial seja restabelecido. A coleta nacional de assinaturas deve começar no início do ano que vem.
Para o economista Mário Lisboa Theodoro, professor da Universidade de Brasília (UnB), o Estatuto da Igualdade Racial é apenas “um conjunto de boas intenções, mas sem possibilidade de ser implementado por falta de recurso”. De acordo com ele, somos um país diverso, mas há uma disputa de poder ao qual o negro ainda não ascendeu, já que isso depende de poder econômico. “Enquanto o Poder Público não destinar recurso significativo para a questão racial, os negros vão continuar no gueto”, disse o professor, que já trabalhou na Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) e foi diretor da Área Internacional do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Segundo Theodoro, o Fundo Nacional da Promoção da Igualdade Racial foi o único artigo vetado do projeto do estatuto. O economista participou ontem (27) do seminário Experiências afro-brasileiras na gestão pública, que contou com a participação de pesquisadores, professores, ativistas e políticos envolvidos com a questão racial no país, organizado pelo Ceap.

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Negros escravizados no período colonial resistiram como puderam, diz especialista



por: agencia Brasil
Thaís Antonio
Enviada especial da EBC

Cachoeira (BA) - Desde que os colonizadores portugueses chegaram ao Brasil, há mais de 500 anos, eles exploraram, inicialmente, a mão de obra indígena. Mas o contato com os homens brancos foi péssimo para a saúde dos indíos. Além disso, os nativos conheciam muito bem o território e fugiam com facilidade.

Por razões econômicas e também em busca de mão de obra qualificada, os portugueses começaram a trazer africanos escravizados para o Brasil. Os negros eram obrigados a vir para um país estranho, numa travessia de barco que levava meses, em condições precárias, para trabalhar forçado.

Mas as regras duras da chibata não foram aceitas sem luta. Os negros escravizados resistiram da forma que puderam. “Falar das lutas negras é falar disso, dos enfrentamentos, dos embates do outro lado do Atlântico, na travessia, do lado de cá do Atlântico. Eu costumo pensar na resistência de uma forma muito ampla”, destaca o professor Nelson Inocêncio, do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Universidade de Brasília.

Para ele, o termo que define a retirada dos negros do Continente Africano é sequestro. “Esse sequestro realmente foi algo absurdo, inominável. O Brasil foi o país que mais importou população africana. Dentro daquele universo de extrema violência existiam articulações coletivas para, de alguma forma, tentar minar o sistema”, ressaltou

A resistência sempre foi a palavra de ordem de quem era forçado ao trabalho escravo. Mas não foi fácil. Os negros foram caçados e perseguidos. Por isso, procuravam não ficar sozinhos. Em comunidade, era mais fácil sobreviver.

Os locais de refúgio começaram a se formar logo após a chegada dos primeiros navios negreiros ao Brasil. Nasciam, assim, os chamados quilombos. O mais famoso deles, o Quilombo dos Palmares, em Alagoas, data do fim do século 16. Isso quer dizer que pouco depois do início da escravidão, os primeiros negros já começaram a fugir.

A herança de quem fugiu da escravidão ainda é viva entre os quilombolas. Sirilo Rosa, presidente da Associação Quilombo Kalunga, comunidade no interior de Goiás, conta um pouco da história que já escutou. “Eu ouvia nossos antepassados falarem que tinha um lugar chamado quilombo mas que eles não sabiam onde era. [Diziam] que esse lugar chamado de quilombo era onde o pessoal que foi escravo fugia e ia pra lá”, lembra. “Era um lugar isolado e que não tinha nem estrada pra chegar. Eles saíam das casinhas deles, mas não deixavam trilha. Saíam de um lado e chegavam por outro".

A jovem quilombola Edmeia Batista Costa, da Comunidade Kaonge, em Cachoeira, na Bahia, também conhece a história de quem veio antes. “A gente sabe que os antepassados lutaram muito. Muitos apanharam no chicote. Agora a gente não tem mais isso. Graças a Deus, a escravidão já acabou e eles passaram para gente o trabalho e a luta deles para a gente continuar”, conta.

O Brasil tem mais de 2,4 mil comunidades quilombolas certificadas pela Fundação Cultural Palmares. Elas estão espalhadas em 24 estados e se organizam de forma diferente. A maioria vive da agricultura de subsistência. Ou seja, eles produzem na roça praticamente tudo o que precisam. É o caso de dona Leotéria, lavradora kalunga. Ela planta mandioca, arroz, milho, cana, feijão de corda, além de frutas, hortaliças e ervas medicinais.

Dona Leotéria diz que nem sempre é fácil, mas que já viveu dias mais difíceis no passado. “Já foi sofrida a nossa vida. Uma parte foi boa e outra sofrida mas, graças a Deus, nós sobrevivemos. Não tinha rodagem [estrada] por aqui, não tinha médico. A pessoa adoecia, levava para Cavalcante [um dos municípios que compõem o território kalunga, distante 30 quilômetros da comunidade] na rede”, recorda.

“Hoje está melhor porque já tem médico, já tem muitas coisas. Hoje já tem até o posto [de saúde] aqui, também. Uma hora tem médico, outra hora não tem. Mas a hora que tem já serve”, resigna-se.

De acordo com a Fundação Cultural Palmares, apenas os estados do Acre e de Roraima e o Distrito Federal não contam com esses remanescentes. Mais de 200 processos de certificação ainda estão sendo analisados e mais de 500 comunidades foram identificadas pela fundação como quilombolas, mas não solicitaram a Certidão de Autodefinição, já que o primeiro passo para ser quilombola, é se reconhecer como tal.

É o famoso sentimento de identidade, como explica Juvani Jovelino, líder espiritual da Comunidade Kaonge, na Bahia. “Ser quilombola é você saber [a origem] os 50% do seu sangue. Não é só negro que é quilombola, porque existe branco também que é quilombola porque tem 50% do sangue que ele não procurou saber de onde vem.”


terça-feira, 19 de novembro de 2013

ESPECIAL 20: Agricultura ainda é a maior fonte de renda dos quilombolas


Thaís Antonio
Enviada Especial da EBC
Cachoeira (BA) - As comunidades quilombolas, uma herança dos refúgios dos negros escravizados que começaram a se formar no século 16, vivem, praticamente, da agricultura familiar. Quase cinco séculos depois, esse tipo de organização existe de forma muito expressiva no país. São mais de 2.400 comunidades reconhecidas pela Fundação Cultural Palmares.

A Agência Brasil publica, na Semana da Consciência Negra, uma série de matérias sobre como vivem os quilombolas descendentes dos negros escravizados trazidos para o Brasil no século 16. Amanhã (20), será comemorado o Dia da Consciência Negra, data em que morreu Zumbi dos Palmares. A cidade alagoana de União dos Palmares, onde morreu o líder do maior quilombo do país, terá uma série de eventos para comemorar a data.

Extrativismo, artesanato, produção cultural, turismo de base comunitária e a venda de produtos feitos a partir de matérias primas produzidas pela comunidade também contribuem para complementar a renda. “A agricultura é a atividade mais forte”, explica o diretor do Patrimônio Afro-Brasileiro da Fundação Cultural Palmares, Alexandro Reis. “O extrativismo também é uma atividade muito forte na área de quilombo. E hoje o governo federal tem apoiado o empreendedorismo, no artesanato, na produção cultural, na geração de renda, na capacitação técnica e na extensão rural.”

Para a lavradora Aurea Paulino, da Comunidade Kalunga, em Goiás, a roça é garantia de tranquilidade. “Você quer uma banana você tem, quer uma mandioca, você tem. O arroz e o feijão, que é o principal, a gente planta. Então eu acho bom, porque não é todo lugar que a pessoa tem esse privilégio”, diz. “Aqui a gente sabe viver sem dinheiro. Aqui não tem violência. Pode sair e deixar a porta aberta. É um lugar tranquilo. Acho bom criar meus filhos do jeito que eu fui criada, estudando e trabalhando na roça”, acrescentou.

No quilombo onde Áurea vive há um forte sentimento de comunidade. Os kalungas se ajudam muito e não deixam um vizinho passar necessidade. Se falta alguma coisa para algum integrante, a comunidade se organiza para ajudar.

Esse sentimento de unidade é muito presente nos remanescentes quilombolas em geral, como explica Ananias Viana, líder da comunidade baiana Kaonge. “Ninguém faz nada no individualismo porque é mais dificil de conquistar. É tudo no coletivo. Até a produção é no nível coletivo. Quem quiser plantar, colher em suas roças no fundo da casa, tudo bem”, destaca. “Mas, para projeto de sustentabilidade, aqui tem que ser coletivo porque é a maneira que os nossos ancestrais fizeram e é a maneira que a gente considera melhor para a produção.”

Os quilombolas kaonges uniram esforços com outros remanescentes que vivem na região do Vale do Iguape (BA) e buscaram no próprio dia a dia a solução para que ninguém precisasse deixar as comunidades em busca de vida melhor. Mais de 300 pessoas de 13 remanescentes da região se organizam em núcleos de produção e fazem a engrenagem funcionar.

Eles plantam frutas, legumes e verduras, colhem mel, cultivam ostras, produzem artesanato e mostram suas atividades diárias para turistas e visitantes. Os jovens participam de todas as atividades e isso integra as diferentes gerações.

Há poucos anos, a cidade de Santiago do Iguape, no interior da Bahia, começou a se descobrir quilombola. O nome quilombola pode até ser novo para os mais de 2.500 habitantes do local, mas os costumes são antigos. “A gente ainda quer continuar no final de tarde tomando um banho de mar, caindo do cais [pulando no rio], a gente ainda quer acompanhar as marisqueiras, ainda quer ver com os nossos idosos, mestres do saber cantando, conversando”, conta Pan Batista, uma das líderes da comunidade nesse processo de reconhecimento.

Para a Comunidade do Muquém, em Alagoas, que fica bem próxima ao famoso Quilombo dos Palmares, foram as mãos no barro que deram um horizonte produtivo para quem vivia ali. Dona Irinéia é uma das famosas artesãs da comunidade e tira da cerâmica o sustento da família. “Eu comecei a fazer bonequinhos para brincar com as coleguinhas, panelinhas para brincar de cozinhar”, lembra.

Anos mais tarde, ela começou a fazer cabeças inspiradas em negros escravizados. “Eu modelava um bolinha, botava um nariz, fazia a boca. As primeiras ficaram muito feinhas. Mas, depois, eu fui melhorando”, conta.

As peças de dona Irinéia já foram vendidas no Brasil e no exterior. “Já vendi para gente de São Paulo, do Rio de Janeiro, Recife, de Brasília, da Paraíba, do Espirito Santo, de Minas Gerais. Vários lugares. Tem uns que eu nem sei para onde fica”, diz. “Outro dia eu estava na casa da minha filha e uma senhora me ligou dizendo que tinha visto o meu trabalho na internet e achado muito bonito. Aí ela disse: você sabe com quem está falando? Você está falando com uma mulher dos Estados Unidos”. Dona Irinéia enviou uma peça para lá, mas disse que não sabe se a “mulher dos Estados Unidos” recebeu.


terça-feira, 12 de novembro de 2013

É hoje! Às 13h Manifestação de repúdio ao cancelamento do feriado de 20 de novembro

O Comitê Zumbi dos Palmares em Defesa do Feriado Municipal de 20 de Novembro, em Curitiba convoca todos e todas a participarem de manifestação pública, em frente ao Tribunal de Justiça e da ACP, de repúdio à suspensão do feriado municipal de 20 de novembro.
O Comitê é formado por dezenas de entidades do movimento social negro e dos movimentos sociais e sindicais da cidade.
Na última quinta-feira, em reunião que contou com mais de cem lideranças ficou definida a realização deste protesto. Divulguem ao maior número de pessoas possíveis. Vamos mostrar nossa indignação à mais um exemplo da presença do racismo institucional em nossa cidade.

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

19 EXEMPLOS DEPLORÁVEIS DE PRIVILÉGIO BRANCO


1. Por conta do privilégio branco, você nunca terá que se preocupar em tornar-se vítima de policiais. Lembre-se de Amarildo, do menino Juan, e tantos outros. Não é uma coincidência que centenas de incidentes como estes vêm acontecendo há anos.

2. Felizmente, você nunca terá que saber o que se sente ao ver a morte de seu filho adolescente ser comemorada ou ridicularizada. Sim, como no caso de alguém vestido como Trayvon Martin*

3. Por causa do privilégio branco, você nunca terá que informar seus filhos das duras realidades do racismo estrutural.

4. Privilégio branco significa que você pode ser articulado e falar bem, sem as pessoas fiquem "surpreendidas".

5. Com o privilégio branco, você nunca saberá o que é ter a seguinte estatística que paira sobre sua cabeça: De acordo com um relatório dos Estados Unidos, um terço dos homens negros daquele país irão para a prisão, pelo menos uma vez na vida.

6. Você pode vestir e agir como desejar, sem ser rotulado como um bandido, malandro, vagabundo, etc. Todo mundo quer "agir como um negro", mas ninguém realmente quer ser negro e sofrer as consequências neste país.

7.O Privilégio branco permite você falar sobre qualquer assunto em particular, sem ser o único representante de sua raça inteira.O Privilégio branco permite acreditar que todas as pessoas não brancas pensam da mesma forma e partilham pontos de vista semelhantes.

8. Privilégio branco significa que ninguém questiona por que você tem um ótimo emprego, e se presume que estava altamente qualificado para exercê-lo. Além disso, presume-se que você entrou naquela prestigiosa universidade com base no "mérito" e não porque uma "determinada quota tinha que ser preenchida."

9. Privilégio branco significa não ter que se preocupar com o seu cabelo, cor da pele ou acessórios culturais, como a razão de você não conseguir um emprego.

10. Privilégio branco significa que você não tem que se preocupar em ser vigiado em uma loja, só porque a tonalidade de sua pele é um pouco mais escura do que a das outras pessoas no ambiente. As pessoas não brancas são vistas como pouco confiáveis. 

11. Ter o privilégio branco significa que as pessoas nunca vão rotular você como um terrorista.

12. Privilégio branco significa não ser afetado por estereótipos negativos,que foram tão perpetuados e enraizados pelas pessoas brancas na sociedade brasileira, que as pessoas acreditam que eles sejam verdade.Algo como: " Homens negros não gostam de trabalhar ". Ou " mulheres negras tem apetite sexual insaciável."

13. Privilégio branco significa que você nunca tem que explicar o porquê apropriação cultural é uma coisa ruim.

14. Privilégio branco significa não ter que se preocupar em ser parado e revistado.

15. Se você se beneficia de privilégio branco, nunca vai ser dito para "acabar com a escravidão.” Irônico, não?

16. Privilégio branco significa que você nunca está só a sua própria pessoa. Por exemplo, Nicki Minaj é muitas vezes referida como a " Lady Gaga negra". Eu acho que as pessoas negras não podem ser peculiares ou excêntricas

17. Se beneficiar do privilégio branco significa que você pode andar na Terra sem saber de sua cor. As pessoas não brancas não tem esse luxo.

18 - Sua religião é respeitada, e não tem que fazer passeata contra intolerância religiosa, quando se tem o Privilégio branco.

19 - Quando se tem o Privilégio branco, a ajuda Emergencial de renda é dada pelo BNDES, recebe o nome de "empréstimo", "Ciência Sem Fronteira", etc. E não Bolsa-Família.

FONTE: Traduzido e adaptado a partir do texto de Michael Blackmon," 17 Harrowing examples of White Privillege".
*Trayvon Martin: adolescente americano, assassinado por um vigia branco, que afirmou ter atirado ao confundir o capuz que Trayvon vestia com um turbante.

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

O Mordomo da Casa Branca e o feriado cancelado em Curitiba.

por: Daniel Hortencio de Medeiros
Vivi as duas experiências no mesmo dia. Fui assistir ao filme de Lee Daniels, “O mordomo da Casa Branca”, uma vigorosa e bem produzida história do racismo nos EUA, a mostrar a incrível violência com a qual os negros americanos foram tratados, muito tempo depois de o presidente Lincoln ter acabado com a escravidão. Violência que não poupou nem mesmo os trabalhadores que serviam os presidentes , como o mordomo Eugene Allen, interpretado pelo ator  Forest Whitaker, em brilhante atuação. Um filme para refletir sobre a força da democracia americana, capaz de viver esses horrores e , ao mesmo tempo, eleger e reeleger um negro para a presidência. Aliás, o filme mostra que o processo foi longo e contou com os cidadãos nas ruas e os políticos em seus gabinetes, trabalhando para diminuir a chama da estupidez e da ignorância racial, processo marcado por marchas e contramarchas angustiantes para os que sofriam a dor da discriminação. Assistindo ao filme aprendemos da decisão do presidente Eisenhower de enfrentar o governador do Arkansas e fazer valer a lei que permitia a brancos e negros frequentarem as mesmas escolas. Vimos o presidente Kennedy esbravejar na televisão contra a violência no Alabama e o presidente Johnson defender o direito de voto dos negros. Ou seja, poder público ( com altos e baixos) e entidades civis ( com acertos e extremismos) lutaram juntos , em um processo que não deve terminar nunca, para oferecer aos negros os mesmos direitos e benefícios que todos podem almejar em um país como os EUA.
Lembrar dele traz prejuízo, dizem os comerciantes.
Lembrar dele traz prejuízo, dizem os comerciantes.
E, não tem como ser diferente, saí do cinema pensando em nossa sociedade discriminatória, na qual pretos ( como o IBGE os define) ganham menos, tem menor formação, apanham mais da polícia, tem menor expectativa de vida, habitam as regiões mais insalubres, frequentam mais as filas do SUS e os morgues oficiais e extraoficiais. No entanto, pouco a pouco, com grande empenho da sociedade civil organizada e do poder público, ser negro no Brasil começa a deixar de ser uma “vergonha” e começa a ser uma atitude. Lógico que nada tem a ver com “raça”, no sentido científico do termo; tem a ver com uma história na qual construiu-se um conceito de raça para discriminar  e justificar diferenças que eram produzidas social e economicamente. Agora, esse mesmo critério – histórico – é usado para buscar compensar e minimizar o estrago de uma parte da elite branca que sempre viu os negros como o Outro menor e desvalorizado. Mais ou menos como as empregadas domésticas, quase todas negras ou pardas, agora portadoras de direitos que há muito eram direitos de todos mas que nossa herança escravista não admitia para elas.
Essa recuperação do lugar devido dos negros na sociedade brasileira passa também pela delimitação de momentos simbólicos de homenagens e lembranças da luta travada por muitos, ao longo dos séculos, na defesa de uma sociedade mais justa. Nos EUA, criou-se o dia para lembrar do pastor Martim Luther King, grande catalisador dessa luta pelos direitos civis dos negros americanos que é um orgulho para o mundo todo e faz dos EUA a grande democracia que é. Um dia de feriado na maior nação capitalista do mundo, para os brancos e negros americanos lembrarem que o poder público dos EUA assumiu um lado, o lado da luta contra a segregação, discriminação e preconceito. Um feriado que deve custar caro aos cofres da nação que mais dinheiro produz no mundo. Mas que tem um valor muito maior que os milhões ( bilhões, certamente) de dólares que deixam de ser arrecadados pelo comércio ávido de vendas e bons negócios: o valor da lembrança que esse  país, os EUA, só poderão olhar para seus próprios olhos, com confiança e respeito, se admitirem o erro brutal e mesquinho que cometeram e prometerem, nesses momentos solenes e sagrados, que nunca mais cometerão atos assim e se o fizerem, serão punidos exemplarmente.
Enquanto isso, em Curitiba, a associação comercial, conseguiu na justiça, a anulação do feriado municipal em lembrança e em homenagem ( e para a reflexão)  do dia da consciência negra. O motivo? O prejuízo que terá o comércio curitibano com a medida. Assim como acontece nos demais feriados – os religiosos, por exemplo – nunca questionados por nossos devotos vendilhões de templos.
Atos como esses não devem perder-se no vento. O dia 20 de novembro, dia da consciência negra, dia da lembrança de que somos ainda, e muito, um país racista e discriminatório, deve ser lembrado como um dia de não consumo. Se os comerciantes, com ajuda prestimosa e providencial do poder judiciário, negam o direito  para homenagens e reflexão, que fiquem de braços cruzados nas portas de suas lojas , esperando Godot.
Publicado: gazeta do povo

Este ano Zumbi será Ressuscitado em Curitiba

por: Mariana Raquel Costa


“Por motivos econômicos, a Associação Comercial do Paraná e o SINDUSCON-PR pediram o cancelamento do feriado municipal do dia da Consciência Negra em Curitiba, que foi concedido pelo Tribunal de Justiça do Estado.
Por motivos econômicos, por mais de trezentos anos os negros foram sequestrados de suas terras, comercializados e coisificados. 
Também por motivos econômicos, há exatamente 125 anos, quando a mão-de-obra escrava já não interessava ao sistema capitalista em desenvolvimento, os negros foram libertados e deixados a sua própria sorte. 
Ainda por motivos econômicos, os negros engrossam até hoje as favelas brasileiras, compõem a parcela mais pobre da população, possuem os empregos mais precarizados, recebem os menores salários, compõem mais de noventa por cento da população carcerária do Paraná, ocupam menos cadeiras nas universidades e menos espaços de poder. 

Não sei por que, mas para mim os tais motivos econômicos citados pela ACP, se confundem com o racismo tão profundamente enraizado no Brasil. 
O racismo que também é institucional, o racismo que nos persegue e faz parte da nossa história.
Aqueles que são contra o feriado, afirmam que a decisão pautou-se numa certa igualdade, afinal, se houver feriado para os negros será preciso garantir um feriado para os alemães, para os poloneses e assim por diante. 

Mas já não basta todo dia ser dia de branco? Todos os parques construídos em memória da sua história? Não basta que as crianças negras sejam perseguidas pela história eurocêntrica, que é incapaz de incluir a África em outro contexto que não seja o da escravidão? Não basta que a cidade esteja repleta de estátuas dedicadas aos seus heróis? Que desses heróis muitos deles foram bandeirantes, ou governantes responsáveis por manter nossa condição? Que as personalidades negras que fizeram história sejam renegadas ao esquecimento? Não basta que o herói do meu dia, tenha sido morto pelos heróis da sua história? 

Não, não basta! É preciso ridicularizar o dia da Consciência Negra, ridicularizar a nossa luta diária pela sobrevivência. É preciso menosprezar nossa cultura, demonizar as religiões de matrizes africanas, rir dos nossos fenótipos em programas de humor, propagar que nosso único talento é sambar e jogar futebol, negar a nossa beleza, adjetivar nosso cabelo como sendo ruim, defender um estereótipo de suspeito padrão cuja principal característica do bandido seja a pele escura. É preciso matar jovens negros todos os dias, em nome da justiça e do combate ao tráfico, é preciso, é necessário diminuir para governar. 

Mas não somos inocentes, não é de hoje que conhecemos a verdade. Nós sabemos que não somos representantes do imaginário curitibano de capital europeia do Brasil, que somos a história que Curitiba quer esquecer. Nós sabemos que somos o único povo que não ilustra o mural da câmara municipal que retrata as etnias que construíram Curitiba. Que nossa história em Curitiba é negada todos os dias, como se mãos negras não tivessem construído a igreja do Rosário, como se os irmãos Rebouças não tivessem construído a estrada de ferro. 

Nesse sentido, cancelar o feriado municipal da consciência negra, significa negar mais uma vez a nossa importância na construção de Curitiba. Renegar mais uma vez a nossa história à invisibilidade. Chega de negação! Não tirem das crianças negras o direito de conhecer sua história, de encontrar suas origens, sua ancestralidade. De não ter que chegar a idade adulta para construir a sua identidade racial, mas aprender cedo que não há vergonha na sua ancestralidade, mas pelo contrário, que a sua descendência é a resistência, de tantos homens mulheres que lutaram pela liberdade e pela igualdade. 

Em 20 de novembro de 1965, Zumbi dos Palmares foi morto e decapitado pelos bandeirantes. Fato comemorado pela coroa, que determinou que sua cabeça fosse exposta em praça pública.
Em novembro de 2013, em Curitiba, julgam os senhores do comércio que irão comemorar, mais uma vez, a cabeça de Zumbi exposta em praça pública. Eu digo que este ano não.

Este ano Zumbi será ressuscitado em Curitiba.”

Tudo é mais relativo quando nos tornamos classe média....


Tudo é mais relativo quando nos tornamos classe média. A dor, o passado, o sofrimento dos antepassados são suavizados, clareados, amordaçados, relativizados pelo "também" tenho sangue negro.O olhar fica enviesado e não consegue focar o olhar que tem cor, que tem dor, que tem....Neste curso, justificamos sermos um pouco diferentes: não tão negros, um pouco meio índios, talvez afro, com certeza mas pra português é, é isso! Não nos reconhecemos, não nos queremos, não nos abraçamos...quando nos tornamos classe média tudo tem mais sentido, a casa,o carro, o cargo...até mesmo essa angústia, esse princípio de depressão tem sua razão quando se é classe média.

Denis Denilto



terça-feira, 5 de novembro de 2013

Suspensão do feriado de 20 de novembro gera polêmica em Curitiba

Projeto sobre feriado da Consciência Negra foi suspenso pelo TJ-PR.
Medida que determina a suspensão ainda cabe recurso, segundo o TJ.
fonte:g1.globo.com.br
A suspensão da lei que cria o feriado do Dia da Consciência Negra, em Curitiba, determinada pelo Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR), causou polêmica entre os vereadores da Câmara Municipal de Curitiba e militantes do movimento negro da capital na manhã desta terça-feira (5). O projeto já tinha sido aprovado pela câmara em novembro de 2012 e previa a paralisação das atividades na cidade no dia 20 de novembro, quando a data é comemorada nacionalmente.
A suspensão foi anunciada na segunda-feira (4) pelo Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR), que aceitou um pedido feito pela Associação Comercial do Paraná (ACP) e pelo Sindicato da Construção Civil do Paraná (Sinduscon-PR). Ambos os órgãos relataram prejuízo calculado em R$ 160 milhões com a possibilidade do fechamento do comércio, indústria e serviços em geral. O TJ informou que a decisão não é definitiva e ainda cabe recurso.

"Nós não somos contra as comemorações do Dia da Consciência Negra. O que nós somos contra é sobre mais um feriado de tantos que já temos em Curitiba", declara o vice-presidente da Associação Comercial, Gláucio Geara.

Para o presidente do Conselho Municipal de Política Éticos Raciais, Saul Dorval da Silva, a medida deve ser reavaliada com urgência. "Do ponto de vista jurídico nós vamos tomar todas as medidas, entre elas buscar a intervenção imediata do TJ, Ministério Público (MP-PR), Câmara Municipal e também vamos procurar o prefeito Gustavo Fruet", afirma. "Está na hora da procuradoria do município se pronunciar a favor da população de Curitiba", acrescenta.

O vereador Mestre Pop (PSC) reiterou que mais de mil cidades brasileiras já aderiram ao feriado. Ele criticou a justificativa da ACP e do Sinduscon-PR e afirmou que o feriado pode trazer, também, benefícios para a capital. "Em São Paulo, por exemplo, o dia da Consciência Negra é um dia em que percebe-se um aumento no número de turistas e da rede hoteleira em geral, além do aumento de visitações nos shoppings. Enfim, é totalmente o contrário do que eles [ ACP e Sinduscon] pensam", ressalta.

De acordo com o TJ, um julgamento sobre o caso ainda deverá ser marcado. Entretanto, até que haja uma definição, a determinação é de que as empresas devem funcionar normalmente no próximo dia 20 de novembro.

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Curitiba propõe cotas nos concursos municipais

Projeto de lei apresentado nesta sexta-feira (1º), na Câmara de Curitiba, trata da implantação de cotas em concursos públicos municipais da administração direta e indireta. O líder do PDT, vereador Jorge Bernardi, propõe a reserva de 20% das vagas aos candidatos afrodescendentes, pardos e indígenas.

A matéria prevê que o candidato declare sua etnia e manifeste o interesse por uma das vagas especiais no momento da inscrição. Caso não sejam preenchidos pelas cotas, os cargos seriam redistribuídos pelos demais aprovados, por ordem de classificação. A regulamentação é atribuída ao Executivo municipal, em até 60 dias após as eventuais, sanção, aprovação e publicação da lei.

"O processo democrático está em evolução constante, assim como toda a nação brasileira, que lentamente constrói uma realidade que atenda ao bem comum, a partir de um modelo colonial fundamentado na exploração do trabalho escravo e na opressão dos demais trabalhadores que, mesmo libertos, tinham seus interesses subjugados por uma elite agrária", justificou Bernardi.

"Cada vez mais a visão de democracia vai se aperfeiçoando, permitindo que setores antes marginalizados tenham igualdade de direito", completou. O parlamentar cita políticas afirmativas do poder público federal e estadual, implantadas ao longo dos últimos oito anos, como as cotas raciais no ensino superior. A proposição, de acordo com ele, é uma sugestão do Instituto Afro-Brasileiro do Paraná, presidido pelo jornalista Saul Dorval da Silva.

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Doutora Tereza Primeira Delegada do Paraná

Marcelo Andrade/Gazeta do Povo / Tereza dos Santos foi promovida à delegada em 1975, por força de decisão judicial
fonte:gazeta do povo
Há 38 anos, mulher nenhuma podia ocupar cargo de chefia na Polícia Civil. Até uma curitibana boa de briga ser alçada ao posto de delegada
O sonho de infância de Tereza Ermelino dos Santos era ser policial. Uma perspectiva pouco plausível para uma jovem negra e pobre nascida na provinciana Curitiba dos anos 40. Mas ela foi à luta. E conseguiu ir mais longe do que imaginava. Em 1975, ano em que a ONU instituiu o Dia Internacional da Mulher, Tereza se tornou a primeira delegada de polícia da história do Paraná. Sinal de que a sociedade da época começava a dar mais atenção para os anseios feministas.
A carreira policial começou uma década antes, em 1964, quando Tereza ainda estava no colegial. Entre o início como agente de segurança até a aposentadoria 30 anos depois, ela passou por diversas unidades da Polícia Civil. Como delegada, o primeiro posto foi em Londrina. As datas, confessa, não lembra muito bem. Passou também por municípios do interior, distritos de Curitiba e setores especializados. Alguns desses locais, como as Delegacias de Menores e de Costumes, nem existem mais.
Os problemas que hoje tomam boa parte do tempo e da energia da polícia praticamente não existiam. “Tráfico de drogas, por exemplo, era uma coisa rara. Mas acho que a essência da profissão não mudou”, observa. Segundo ela, o trabalho básico sempre foi receber a denúncia, investigar e prender.
Sem sossego
Cedo, porém, Tereza percebeu que a ideia de uma mulher em cargo de chefia era um tanto quanto absurda para figurões da segurança pública. Como na época a lei permitia que apenas homens fossem promovidos além do posto de comissário (hoje extinto), ela virou delegada por meio de um mandado de segurança da Justiça.
Mesmo depois de empossada, no entanto, não teve sossego. “Sofri ‘tortura’ por parte da cúpula [da polícia]. A cada quinze dias vinha alguém dizer que eu podia ser exonerada, que a qualquer momento podiam tirar o meu cargo”, conta. Dentro da delegacia, porém, a coisa era diferente. “Mesmo no trato com os bandidos, ser mulher não era um problema para mim. Com meus subalternos, muito menos. Todos sempre me respeitaram”, garante.
Mesmo depois de deixar a polícia, Tereza não parou de trabalhar. Até pouco tempo atrás, esta senhora de 70 anos ainda atuava como advogada. Após quase 50 anos dedicados à lei, resolveu se aposentar e hoje vive em Aracaju (SE). De Curitiba restaram a saudade dos amigos e as boas histórias para contar.

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Ao Mestre com Carinho -

sábado, 12 de outubro de 2013

"Negro não é só melanina, é atitude política", diz Ferréz em Frankfurt

Os questionamentos sobre o que poderia ser visto como racismo na lista de escritores brasileiros na Feira de Frankfurt, levantados pela imprensa alemã deixaram de lado um grande defensor das causas negra e da periferia no Brasil, o escritor Ferréz, um dos autores levados ao maior evento editorial do mundo pelo governo brasileiro.

A imprensa alemã destacou ao longo das últimas semanas que o romancista Paulo Lins, autor de "Cidade de Deus", era o único negro da lista -- ao que Lins respondeu, em entrevista à Folha, que "se há racismo não é na seleção de autores, e sim na sociedade, que permite a poucos negros serem escritores, jornalistas, engenheiros ou médicos".
Divulgação/Ferrez

O escritor brasileiro Ferréz
Neste sábado (12), após contar em debate no pavilhão brasileiro que foi confundido na Alemanha com árabe ou judeu, por causa da barba longa e do rabo de cavalo, Ferréz disse à Folha: "Sou mais negro que ele [Paulo Lins], falo mais do negro que ele. Ser negro não é só raça ou melanina, é atitude política perante o mundo. Nesse sentido, o Marçal [Aquino] é negro, o Lourenco [Mutarelli] é negro", disse.
Filho de negro com branca, Ferréz disse não ter se incomodado por ter sido deixado de fora do debate. "Paulo Lins defendeu muito bem a causa."
Durante o debate, contou que percebeu reações de identificação de minorias étnicas durante a passagem por Frankfurt, quando visitou escolas. "Um menino negro de 17 anos, com a camiseta do [rapper] Tupac, falou pra mim: 'Respect'. Não precisa nem de tradução, né?"
Ferréz, que acabou de ter contos traduzidos na Alemanha, se surpreendeu ao saber que a letra de seu rap "Judas", de 2001, vem sendo estudada em escolas alemãs.
"Nem faço mais rap. Acho que ensinam isso para as crianças daqui desistirem da leitura, já que elas não entendem, igual fazem com 'Memórias Póstumas de Brás Cubas' no Brasil", brincou, para um auditório lotado -- com a abertura da feira para o público geral, neste final de semana, pela primeira vez o espaço de debates do pavilhão brasileiro se encheu de estrangeiros.
ANGÚSTIA
Na conversa com ele e a escritora Patrícia Melo, a mediadora tentou encontrar pontos em comum nas duas obras, questionando-os sobre como retratam o medo e a angústia.

"O exercício literário é um exercício de resistência, de olhar criticamente para a sociedade, localizar contrastes e diferenças sociais", argumentou a autora de "Inferno". "A angústia social se junta à angústia do autor com a busca por formas, de respostas para sua própria prosa."

Ferréz disse sentir falta de autores que ambicionem escrever para o Brasil, em vez de para o mundo. "Quero formar leitores. Nesse sentido me igualo ao Evangelho, quero salvar pela palavra. É importante participar do processo de educação num país em que 70% do povo não lê direito, enquanto as as pessoas estão lá falando de alta literatura."

Já Patricia afirmou não ter o costume de pensar em quem é o leitor. "O leitor é uma figura metafísica, de repente entra na sua vida. O Ferréz é engajado socialmente, faz um trabalho importante com crianças. Não tenho tanto esse engajamento, minha ideia de leitor é mais de me olhar no espelho, para a leitora que também sou."

No final da tarde de hoje (12), Patricia Melo receberia um prêmio literário alemão, o LiBeraturpreis, dado a cada ano pelo instituto litprom a uma mulher da África, Ásia, América Latina ou países árabes. Ela foi a escolhida pela edição alemã de seu livro "Ladrão de Cadáveres", que, segundo o júri, é "um romance elegante, malicioso, sarcástico sobre as mudanças dos padrões de moral". Lançado na Alemanha, o romance ocupou, em junho, o primeiro lugar no ranking da revista semanal alemã "Die Zeit" que publica mensalmente um ranking com os melhores livros policiais.

VIOLÊNCIA
Ferréz criticou, em entrevista à Folha, a violência da polícia no governo Alckmin ao ser informado sobre investigação do Ministério Público de São Paulo, que revelou que a facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital) planejou a morte do governador.

"Não tem que matar, o que tem que fazer é convencer o Alckmin a fazer a polícia parar de matar", disse.
publicado: folha de são paulo

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Documentário: Mestre Didi Arte Ritual


Ouvindo: Onde ela Mora, Lápis



Hoje e Sempre, LÁPIS!



Palminor Rodrigues Ferreira (1942-1978)

"Nenhuma borracha apagará o que este "Lápis" escreveu." (J.Gilberto Tatára)

Palminor Rodrigues Ferreira, o Lápis, nasceu a 5 de outubro de 1943, vigésimo primeiro filho - caçula, nasceu com lesão cardíaca. Sua mãe, Maria Luiza, mais conhecida como Dona Mariquinha, queria que ele fosse sargento, mas ele gostava mesmo era de cantar. Com 12 anos já tocava pandeiro na Rádio Marumbi. Seu irmão Lalo, também músico, presenteou-o com um violão.
Em casa o chamavam de Pami. Pami aprendeu a tocar seu violão, através de um método, depois de desafinar muitas vezes o violão de Lalo. Aos 18 anos compunha sua primeira música, "Vestido Branco". Lápis concluiu apenas o ginásio, falava corretamente o português, sem vícios de linguagem. Seu círculo de amizades era vasto, compositor de intelectuais, profissionais, desocupados e indigentes. Casou-se muito jovem, aos 19 anos, com uma suíça de nome Romana, com quem teve dois filhos, Alexandre (o Grafite) e Palminor Júnior.
Sempre dizia: "Se faço música para o povo, tenho que entender e viver suas necessidades. Isso faz parte da vida."
Vivia por aí, frequentando lugares onde podia encontrar motoristas, trabalhadores e outras pessoas da chamada classe produtiva, vivendo o cotidiano. Fazia shows beneficentes, para arrecadar verba para as crianças desamparadas. Além de cantar e tocar nas penitenciárias.
Lápis era atencioso com todos e sempre procurava ajudar novos cantores, talvez por isso mesmo tenha morrido sem dinheiro, mas com muitos amigos.
Cantor-compositor, era funcionário da antiga Empresa de Correios e Telégrafos - atribuiu-se seu apelido desde então: fino, alto e preto - igual a Lápis.
Foi o primeiro cantor/compositor a depor no Museu da Imagem e do Som. Obteve classificação por duas vezes consecutivas no Festival Internacional da Canção no Rio de Janeiro, numa das vezes pegou a 6ª colocação com a canção "Roteiro". Classificou-se no Festival "Punta del Leste procura su canción". Participou e trabalhou com muita gente como o Quateto Cido, acompanhou Eliana Pittman, apresentou-se ao lado de Rosinha Valença, na estreia do Casa Grande a convite de Sérgio Cabral. Gravou alguns teipes para a Rede Globo, fez turnê pela Europa onde se apresentou em 86 boates (aos 24 anos).
Parceiro de Paulo Vítola, Rubens Rolim, Nicolatti, Micelli, Jorge Segundo, Marco Aurélio entre outros.
Produziu músicas para os Originais do Samba, Eliana Pittman ("Silêncio"), Dóris Monteiro (gravou sambas-enredo:"Liberdade" e "Volta do sertanejo"). Apresentou-se com Jorge Ben, no Coutry Club, acompanhou por mais de um ano a cantora Maria Odete. 
Lápis gravou um LP, "Dia de Arlequim" e com o conjunto "Bitten-4", formado por Fernando, Anadir e Dalton, gravou "Manhã de Sol" - na Sam Jazz Quintet, de Curitiba. Morou algum tempo no Rio de Janeiro, fazendo parte deste conjunto, que era composto por músicos paranaenses que, na época, se apresentavam na TV Tupi.
Ganhou o 1º Festival Paranaense de Música Popular Brasileira, realizado pela TV Paranaense com a canção "Roteiro". Um dos mais famosos shows foi o "Funeral para um Rei Negro" que apresentou no Teatro Guaíra.

Anjo negro: gozo da cor


Eliana Maria Delfino1; José Tiago Reis Filho2; Sílvia Regina Gomes Foscarini3; Wanda Avelino4
Círculo Psicanalítico de Minas Gerais

RESUMO
Analisam à luz da psicanálise a problemática racial tendo por base a peça teatral Anjo Negro, de Nelson Rodrigues. Apontam para as dificuldades e contradições que operam nas realidades insuportáveis e excludentes fazendo com que, dessa forma, o negro renegue a própria cor.

Palavras-chave: Preconceito, Discriminação, Recalque, Trauma, Gozo.
ABSTRACT
Based upon the play of Nelson Rodrigues, “The Black Angel”, the authors analyse racial problems in the light of psychoanalysis. They point out the difficulties and contradictions that interact with the unbearable and excluding realities which cause a black individual to deny his own colour.

Keywords: Prejudice, Discrimination, Repression, Trauma, Colours enjoyment.

Nelson Rodrigues desejou escrever a peça Anjo Negro desde que sua sensibilidade foi tocada ao perceber o preconceito de que o negro é alvo na sociedade brasileira e a existência de preconceito no negro em relação a outro da mesma cor. A peça foi escrita em 1946, mas dentre todas as suas obras é a que foi encenada em apenas dois períodos, em 1948, sob a direção de Ziembinski, e em 1994, sob a direção de Ulisses Cruz. Na primeira montagem, três meses antes da estréia, a peça foi interditada pela Censura Federal. O teatro de Nelson Rodrigues é tido e havido como malvisto, mal falado, mesmo assim, suas peças vêm sendo representadas e adaptadas para cinema e televisão, o que tornou sua obra conhecida e reconhecida.

Anjo Negro é apresentada em três atos. O cenário, conforme concebido pela produção, apresentava-se sem nenhum caráter realista: um pequeno caixão de seda branca ocupa o andar térreo da casa onde dez senhoras pretas se postam em semicírculo e formam um coro, como no teatro grego. No segundo andar, duas camas, uma delas quebrada, ajudam a compor o cenário. No primeiro andar, Ismael, o negro que representa o anjo, veste um terno branco, engomadíssimo, e calça sapatos de verniz. No andar de cima, Virgínia, sua esposa, branca, traja luto. “A casa não tem teto, para que a noite possa entrar e possuir os moradores. Ao fundo, grandes muros que crescem à medida que aumenta a solidão do negro” (p.125). É nesse cenário que se inscreve o drama, que também reproduz cenas da infância do autor em Aldeia Campestre, Rio de Janeiro, onde morou. Quando criança, Nelson não perdia velórios. O drama humano o instigava: ora curioso por capturar o desespero de mães que choravam a perda dos filhos, ora curioso para perceber a sinceridade ou não das viúvas que choravam a morte dos maridos.

O que, na peça, é fadado ao silêncio? O que não pode ser mostrado e, ao mesmo tempo, é explicitado no texto? Nelson aponta para a problemática racial em que, certamente, se articulam os subsídios para uma teoria social do Brasil, onde se destaca a violência como fator de base dos fundamentos estruturais do modelo étnico-social brasileiro. A peça explicita a vivência de amor/ódio num casal inter-racial e a ambigüidade diante de sua linhagem mestiça. O estilo poético-realista de Nelson Rodrigues revela, de maneira perturbadora, temas adormecidos no inconsciente. Ele revolve esse universo profundo do espectador trazendo à consciência o recalcado e utiliza-se da tragédia para falar do racismo. Assim, remete-nos ao drama grego: a tragédia, pois somente o trágico daria conta de desvendar essa realidade brasileira relegada às trevas – o racismo. Algo da ordem do trágico, tal qual é explicitado no drama grego, pode estar muito próximo de nós, se considerarmos que, enquanto humanos, vivenciamos as emoções que o perpassam.

Virgínia assassina um a um os filhos que trazem em si a marca da mestiçagem e odeia a filha, fruto do adultério com o cunhado. Ela tem preconceito, mas mesmo assim sente-se atraída pelo marido negro, que vive o complexo da própria cor. Ismael é testemunha dos crimes da mulher e acreditava que esses crimes os uniam ainda mais. Ambos recusavam a mestiçagem, os traços negros na pele. Tal qual na tragédia grega, a maldição atinge a descendência. A mãe de Ismael o teria amaldiçoado por este repudiar a própria cor e culpá-la por ser negro, problema que tentou disfarçar tornando-se um médico competente e rico. Acreditava que, alcançado status, poderia encobrir o fato de ter a pele negra.

Elias, irmão de Ismael, era branco e cego. Na infância, Ismael o cegou, vingando-se dele por ser branco e bonito. No velório do terceiro filho do casal, Elias conhece Virgínia, apaixona-se por ela e dessa relação nasce Ana Maria, branca, que será criada por Ismael como filha. Ismael a cega para que ela não descubra que ele é negro e, dessa forma, vivem uma relação marcada por um “ar incestuoso”.

A peça nada esclarece sobre o pai do anjo negro. Que versão do pai teria marcado e entrado em jogo no destino de Ismael? O fato de ele compactuar com o assassinato dos filhos marca a possibilidade da sua não nomeação pelo pai, fato que dificulta a todo homem se nomear enquanto pai. “Pater incertus est, mater certíssima”. Sendo o pai incerto, a criança fica na dependência da fala da mãe, que pode instituí-lo ou não na função simbólica de paternidade. E que peso esse desconhecimento teve na sua imagem de homem negro?

Ismael não consegue disfarçar nem superar as contradições de um corpo marcado insistentemente pelo efeito da voz que, em seu ato complexo de vocação e invocação, reproduz o efeito do olhar, inscrito historicamente por um passado escravista. Paralisado, ele não consegue alçar à condição de desejante, sujeito este capaz de sustentar suas escolhas, com todas as particularidades que uma posição assim nos revela e nos exige em termos de renúncia.

O que faz uma pessoa renegar a própria cor? Este é o questionamento rodrigueano expresso pela voz de Elias.

Em “A Negativa”, Freud (1925) pontua a propriedade de certos conteúdos recalcados que só podem ter acesso à consciência sob uma única e importante condição: a de serem negados. No processo de negação – Verneinung –, responder com o não evoca a idéia de rebater ou rejeitar algo, denotando indício da presença e resistência de material recalcado e muitas vezes deixado de lado pela negação verbal ou intelectual. O que é importante nesse processo é o efeito da suspensão do recalque, mesmo que isso não signifique aceitação do que está recalcado. A denegação aponta, faz surgir o que não é aceito, o que a difere do mecanismo da recusa – Verleugnung –, no qual o que está em jogo é a veracidade da existência do objeto, e o que se faz presente é um diálogo sobre a existência ou não do conteúdo negado – “Eu sei, mas mesmo assim...”.

Importante também é a causação do efeito da representação do significante na constituição psíquica e o efeito traumático que o impacto de alguns desses significantes exerce sobre o sujeito, especialmente aqueles que expressam realidades insuportáveis e excludentes como no caso do negro, marginalizado social, cultural e intelectualmente.

Talvez seja importante falarmos um pouco sobre a questão traumática e de como pensamos em articulá-la a situações vividas pelo negro. Vejamos, a princípio, o conceito de trauma na obra freudiana. Este foi primeiramente descrito sob o ponto de vista energético. Em seu texto Projeto para uma Psicologia Científica (1895), Freud descreve o trauma pelo viés de uma realidade factual de cunho ameaçador, um estímulo externo que, ao romper as barreiras de contato, cuja função é proteger o psiquismo dos excessos energéticos, coloca em risco a sobrevivência do indivíduo. A teoria da sedução faz sua aparição neste período e ganha então o estatuto de fator desencadeador da neurose. Mais tarde, em 1897, numa carta a Fliess (Carta 69), reconhece a teoria da fantasia e a idéia do trauma/sedução perde relevância. Em 1920, o trauma ressurge como trauma da pulsão, carente de representação no aparelho psíquico, apontado no texto Além do Princípio de Prazer, referendado pela pulsão de morte e pela repetição.

Se em Freud, como vimos, o trauma apresenta-se como sexual, para Ferenczi (1933), o trauma se constitui como uma nova forma de interpretação, que não só reafirma a presença de excesso de excitação e a sua não-representação psíquica, mas, sobretudo, que se refere à realidade de um abuso, seja ele de ordem sexual ou de ordem interna ou externa. O desmentido faz sua aparição e se desenvolve como uma importante expressão de formação traumática.

Em Lacan (1985), o trauma é situado enquanto articulação da função sexual com o discurso do Outro, fazendo com que a atribuição recuse ao sujeito os outros significantes, ou seja, a partir do momento em que o sujeito recebe uma palavra atributiva, este se vê dividido entre a palavra recebida e todas as outras que ficaram em suspenso. A percepção não é anulada, mas também não se inscreve simbolicamente na cadeia significante, permanecendo no psiquismo como uma espécie de quisto sempre pronto a irromper. Para compensar, uma nova realidade é criada em substituição àquilo que falta, através do fetiche, do sadismo ou do masoquismo. Não é à toa que Ismael nunca se embriagou e tampouco conseguiu “matar” em si o desejo que tinha por negras. Por que ele cega Elias e Ana Maria? Para que estes não o vejam? Para não verem a si próprios? Para viverem na escuridão? O racismo induz o indivíduo negro a uma covardia diante da verdade que se faz mister assumir, isto é, a aceitação de que se é negro.

Na “Proposição de 1967”, Lacan pontua que a destituição do sujeito é cruel, pois ela o reduz ao silêncio. É o que se observa. O segregado não se pronuncia, vítima da máquina da discriminação. Máquina que o induz a uma passagem para um real insuportável, conduzindo o negro a não dizer de si, mas, muito pelo contrário, a ser dito pelo Outro. Contudo uma questão se presentifica: será realmente que o negro não fala? Ou o desconhecimento é de tal ordem que ele não se dá conta do grito que ficou estagnado na sua garganta? Grito que ressoa, produz restos. E quão ruidosos são os restos. O negro não fala de sua miséria, ele a vive na sua pele, na sua dificuldade de se assumir, enfim, na covardia perante o real do corpo. É vítima da segregação racial instalada pela abjeção da coletividade diante de um real a que a própria sociedade não faz face; sobretudo porque teme abordá-la e desmitificá-la.

Elias procura Ismael portando um recado da mãe: sua maldição. É ele quem vem revelar a condição de negro de Ismael, este que nada diz de seu pai, recusando também a paternidade (simbólica) de Elias a quem, quando menino, cegou, em quem bateu, tornando-se uma figura amedrontadora para este. Nunca perdoou o fato de Elias ser branco, de ser filho de brancos e ter tomado Ismael como pai, o Outro, lugar do código, enigma. É Elias quem realiza o desejo de Ismael de ter um filho branco. Essa é a função de Elias: levar Ismael a se confrontar com a castração, com sua condição de negro. Ele que tudo fez para apagá-la; ele que no dizer de Elias “é todo sensual”.
Bibliografia

CASTRO, Ruy. O anjo pornográfico: a vida de Nelson Rodrigues. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.

FERENCZI, Sandor. “Confusão de línguas entre adultos e crianças” (1933). Obras Completas IV. São Paulo: Martins Fontes, p. 97-108.

FREUD, S. “Projeto para uma psicologia científica” (1895). Edição Standard Brasileira das obras psicológicas completas de, v. I., p. 387-529.. Rio de Janeiro: Imago, 1976.

FREUD, S. “A negativa”. ESB, v. XIX, p. 295-300. Rio de Janeiro: Imago, 1976.

FREUD, S. “Além do princípio do prazer” (1920) ESB, v. XVIII, p. 17-85. Rio de Janeiro: Imago, 1976.

LACAN, Jacques. “Proposição de 9 de outubro”. Letra Freudiana, n 0, 1987.

LACAN, Jacques. O seminário, livro 20: mais, ainda. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.

RODRIGUES, Nelson. “Anjo negro”. In MAGALDI, Sábato (org.) Nelson Rodrigues: teatro completo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981, p. 125-192.

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1 Psicóloga. Participante do Fórum do Círculo Psicanalítico de Minas Gerais – CPMG. 
2 Psicólogo. Psicanalista. Membro do Círculo Psicanalítico de Minas Gerais – CPMG. Doutor em Psicologia Clínica PUCSP. 
3 Psicóloga. Psicanalista. Membro do Círculo Psicanalítico de Minas Gerais – CPMG. 
4 Psicóloga. Psicanalista. Membro do Círculo Psicanalítico de Minas Gerais – CPMG.

publicado: periódicos eletrônicos em psicologia